O alto preço da fé.
POR NICHOLAS KRISTOF / THE NEW YORK TIMES
Nesta época de festas, não é preciso fazer muito esforço para lembrar que há famílias que têm que escolher entre a fé e a vida, reflexo que remonta à época em que Nero queimava os cristãos vivos ou quando aqueles que se denominavam cristãos promoviam ataques aos judeus.
Em parte por causa da “alergia” à religião, a reação internacional tem sido pífia, com os progressistas muitas vezes relutantes em defender os cristãos perseguidos por sua fé, e os conservadores, rápidos demais em defender apenas os cristãos, negligenciando as minorias religiosas — e um dos resultados dessas “diferenças divinas” é que a resposta ocidental às atrocidades cometidas em nome da opressão religiosa é pateticamente inadequada.
Em outubro, o Estado Islâmico (EI) divulgou um vídeo de revirar o estômago, pois mostra o pior tipo dessa repressão: nele, três cristãos sírios, usando os já conhecidos macacões laranja, são forçados a se ajoelhar no deserto e proclamar sua religião. Atrás de cada um, o algoz então usa uma pistola para colocar uma bala na nuca de cada um.
Nos EUA, alguns líderes religiosos querem que o presidente Barack Obama declare o genocídio contra os cristãos no Oriente Médio. Eu não iria tão longe a ponto de chamar o fenômeno de extermínio, mas, sem dúvida, o que ocorre é a versão religiosa de uma limpeza étnica.
Em 1910, os cristãos constituíam 14% da população daquela região; hoje são apenas 4%, resultado da emigração, das taxas baixas de natalidade e da repressão que ameaça a religião em grande parte da área onde nasceu.
Os EUA não se isentam de responsabilidade. A invasão ao Iraque, em 2003, levou a uma piora drástica dessa limpeza étnica. O número de cristãos no país caiu pela metade desde aquele ano e a minoria religiosa dos mandeanos diz que quase 90% de seus membros foram mortos ou fugiram do Iraque, de acordo com um relatório indispensável da Comissão Norte-Americana sobre a Liberdade Religiosa Internacional.
O grupo mais reprimido no Oriente Médio talvez seja o dos yazidis, uma comunidade antiga com religião monoteísta própria. Em agosto de 2014, o EI invadiu as áreas habitadas por eles e, de cara, matou cinco mil pessoas, na maioria homens. Cerca de três mil mulheres e meninas foram então sequestradas e, em muitos casos, transformadas em escravas sexuais. Uma tinha apenas 9 anos quando foi entregue a um membro do EI para ser estuprada; ninguém sabe o que aconteceu a ela.
Não é só o EI que é o problema; o Irã também faz o que pode e o que não pode para perseguir a minoria bahai; muitos países acossam os ahmadis por considerá-los hereges. Em vários outros, incluindo o Egito, com uma grande população de cristãos coptas, os cristãos e outras minorias sentem uma insegurança inédita até então. E os alvos mais comuns da perseguição nas nações muçulmanas são os próprios muçulmanos, em parte por causa da guerra civil entre xiitas e sunitas. Um dos piores males do Oriente Médio envolve grupos do segundo ramo atacando os membros do primeiro.
Durante essa época de comemorações, seria bom nos lembrarmos daqueles para quem a fé não é apenas uma questão de adoração, mas de medo, estupro e assassinato.